Câncer já é principal causa de morte dos animais de estimação em países ricos
Brasil tem projeção parecida com a de nações desenvolvidas
Fonte :MARIANA ALVIM
Carlos Fandino e Helga Montano com a cadela Hanna, que tem câncer de pulmão - Marcelo Carnaval / Agência O G1
RIO- Tumores, quimioterapia, prevenção, dor e esperança. As palavras, usualmente relacionadas ao câncer nos seres humanos, também se aplicam à doença nos animais domésticos e se amparam num crescente aprimoramento da oncologia veterinária — que reúne, desde ontem, pesquisadores nacionais e internacionais na Onco in Rio, na Barra da Tijuca. O progresso da ciência espelha uma realidade: segundo especialistas, o câncer já é a principal causa de morte entre cães e gatos nos países desenvolvidos, e a projeção para o Brasil não é diferente.
A literatura médica veterinária é ampla ao relacionar o aumento da longevidade dos animais ao aparecimento de doenças complexas — por isso o avanço do câncer nos países desenvolvidos, onde a prevenção via vacinas, o desenvolvimento da tecnologia diagnóstica e terapêutica e a oferta de rações balanceadas estão alguns passos à frente.
Segundo o professor Andrigo Barboza de Nardi, do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), o Brasil tem como desafio o combate ao câncer de mama nos cães, tipo de tumor canino mais comum no país e que pode ser amplamente combatido com a castração precoce de fêmeas.
— Se antes os animais viviam 10, 12 anos, hoje encontramos muitos que chegam aos 15, 16 anos. A capacidade imunológica natural cai, e a isso se somam fatores como mutações genéticas, poluição e dieta. Já foi inclusive comprovado que cães e gatos que convivem com fumantes correm mais riscos — explica.
QUEDA DE PELO DURANTE A QUIMIOTERAPIA
Ainda de acordo com o pesquisador, a grande maioria dos tratamentos se inicia com procedimentos cirúrgicos e, quando necessário, segue para a quimioterapia. A preocupação mais frequente entre os proprietários dos animais é quanto à queda de pelo durante o tratamento. Pode ou não acontecer, segundo o especialista, sendo mais comum em bichos de pelos longos.
A obtenção de dados, especialmente no Brasil, é um obstáculo, mas alguns deles mostram que a incidência de tumores é maior em cães do que em gatos. Uma revisão bibliográfica incluída no livro “Oncologia em cães e gatos”, de Andrigo e Carlos Roberto Daleck e que terá a segunda edição lançada na Onco in Rio, mostra que os tipos de tumores mais comuns no país são os de pele e tecido subcutâneo; mama; hematopoéticos (relacionados ao processo de formação das células do sangue); orofaringe (parte da garganta atrás da boca) e venéreos.
Um estudo com cachorros tratados no Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná de 1998 a 2006 mapeou os tipos mais comuns ali atendidos: tumores mamários lideraram com 46% das neoplasias, seguidos pelos mastocitomas (tumores muito comuns na pele dos cães), com 11%, tumores venéreos transmissíveis (3,5%) e linfomas (3,3%). A mesma pesquisa mapeou as raças mais acometidas: pastor-alemão (12,6%), poodle (11,4%) e boxer (10,7%).
A cadela Hanna, perto dos 11 anos, está tratando com quimioterapia um câncer de pulmão e se enquadra em algumas categorias de risco: é da raça boxer, que segundo a literatura é especialmente vulnerável a tumores; e é idosa — o aparecimento do câncer é mais frequente na faixa de 6 a 12 anos. Além disso, as fêmeas costumam ser mais acometidas do que machos.
A descoberta do tumor no pulmão em Hanna, em janeiro, foi um baque para o casal Carlos Antonio Fandiño e Helga Montano e seus filhos: a cadela havia acabado de se curar de um câncer nas células plasmáticas, diagnosticado em 2015. A cura veio com uma operação e quimioterapia, mas, desta vez, a família optou por não iniciar o tratamento com a cirurgia, pelos riscos e pela dor durante e após o procedimento. A estratégia combinada com oncologistas da clínica Canne Gatto, na Tijuca, visa prolongar o tempo de Hanna com qualidade de vida.
— Não há chance de cura, mas ela já ultrapassou sua expectativa de vida, que era de seis meses. Já se passaram nove. Optamos pela quimioterapia, sem antes passar pela cirurgia, para administrar a doença com qualidade de vida. As reações adversas que ela sente por enquanto são leves — conta Fandiño.
Ontem, a pesquisadora da Unesp Mirela Tinucci apresentou no congresso a palestra “Experiência com o uso da fosfoetanolamina em neoplasias de cães” e afirma que hoje o objetivo dos pesquisadores é tornar o câncer uma doença crônica, já que a cura, por enquanto, parece distante. A fosfoetanolamina, conhecida entre os humanos como a polêmica “pílula do câncer” é, segundo alguns testes clínicos preliminares, promissora como tratamento complementar da doença em animais.
— Temos alguns testes clínicos que nos surpreenderam positivamente. Posterior ou concomitante à quimioterapia, a fosfoetanolamina desacelerou a expansão dos tumores. Junto com a USP, vamos iniciar agora uma pesquisa bem mais completa com a substância, que deve durar pelo menos dois anos — conta Mirela, para quem a liberação da substância para consumo ainda é um despropósito do ponto de vista científico.
Estudos com a “pílula do câncer” em animais, segundo a pesquisadora, podem contribuir para a compreensão dos tratamentos em humanos. O intercâmbio entre veterinária e medicina é frequente na oncologia, já que o câncer tem padrões semelhantes entre as espécies, inclusive com coincidências em relação a fatores de risco que podem ser prevenidos, como a obesidade, o contato com fumantes e a poluição.
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